Série: “Críticas”.
Alfredo Rodrigues dos Anjos
“Tenho lido pilhérias sobre “Fernando Pessoa”, escritores
que querem conjugar o que qualquer mero leitor pessoano sabe, e ao reconhecer
no lido o já sabido, deslumbrasse por se reconhecer um sabido pessoano. Escritas
em torno dos heterônimos, como a do Sr. Antonio Tabucchi em “Os três últimos
dias de Fernando Pessoa”, apresenta uma escrita adulativa e cansada, já narrada
(tanto que chego a saltear palavras, pois já sei a frase, a intenção). Faz brilhantismos
com os heterônimos. O narrador conta ao heterônimo o que só este poderia dizer
e conflitar. Poder-se-ia considerar que
o autor italiano frente ao moribundo poeta português quer assumir seu posto de
criador e comandar a vida dos heterônimos. Uma pura enrascada, Sr. Tabucchi.
A heteronímia é uma linguagem esquizo, não paisagem de
rostos que deambulam. Se escrevo “Bernando Soares” estou a evocar uma poética
que deflagra uma linguagem de vigor cansado, percorremos um caminho ao precipício,
mas no final não temos onde pular, cansaço de dar linguagem ao mundo. O sujeito
não escolhe, não tem como destinar-se, apenas permanece na superfície prolífica
do gerir sua própria não ação, uma Sherazade que não está amedrontada pela
morte, mas por alguma razão tem que contar ao mundo sua linguagem, pois seus
atos ainda não nasceram. Talvez, “Soares”, tente construir um ato grávido de se
auto degradar pelo pensamento, anular a voz, a máquina de dar nomes, na
tentativa de congelar um ato no que ainda resta da carne que gesticula uma
saída. Espantalho de sombras que falam aos pássaros.
Agrada-me a escrita do Sr. Saramago, em “O ano e a morte de
Ricardo Reis”, pois não está preso à biografia de Reis, nem quer nos defender
uma posição biográfica, mas antes, fratura o rosto do médico pessoano pelo
ritmo da linguagem, disritmia de rostos, fábrica de gestos não narrados, mas
experimentados pelo ruído de um ser que está sem sombra, descarnado de algo que
lhe diga um caminho, talvez os deuses lhe façam companhia, mas antes a
insegurança, a deriva, lhe inapropria a narrar-se como pertencente a uma pátria,
a um gene, a um nome. Seu único dizer está na maneira em que é narrado pelo
ritmo, que lhe distribuem ações, caminhos, lembranças. É o ritmo da voz do
narrador que lhe assegura um encontro com o mundo. A gagueira do narrador lhe
dá tempo e espaço de confundir-se à voz dos personagens que estão instalados no
mundo, como o gerente do hotel. O Sr. Saramago soube escutar, sendo músico e
maestro da palavra. Compôs o som do personagem Ricardo Reis.
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Esse escrito, parte das “Críticas”, de Alfredo Rodrigues
dos Anjos, confere um estudo sobre a heteronímia pessoana, a qual biografo meu
avô a partir de interferências em sua biografia, utilizando o jogo da estrutura
dos heterônimos, automaticamente o nomeando ficção de Fernando Pessoa, menos
como maneira de lhe facultar brilhos e espaço e mais como artifício narrativo,
além de especular na ficção as analogias entre os dois portugueses, tais como:
a semelhança física e de gestos, a presença do anônimo (camuflagem biográfica)
e a contemporaneidade que conserva uma hipótese de possível encontro em Lisboa
entre ambos, sem que percebessem seus espelhos trespassando-se ao longo ou
dentro do Tejo. Alfredo Rodrigues dos Anjos é o único caso de um heterônimo da
errância, um auto-aborto poético que não
recebe os ensinamentos e a identidade de seu criador, pois é um expatriado do ventre. Um míssil do exílio que
prematuramente expulsa-se sem poesia e sem qualquer obra artística na bagagem. Na sua jornada errante encalha numa extensa praia do sul do Brasil.
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