11/03/2013

Os heterônimos pessoanos não são marionetes.


Série: “Críticas”.

                                                                   Alfredo Rodrigues dos Anjos                                                                         

“Tenho lido pilhérias sobre “Fernando Pessoa”, escritores que querem conjugar o que qualquer mero leitor pessoano sabe, e ao reconhecer no lido o já sabido, deslumbrasse por se reconhecer um sabido pessoano. Escritas em torno dos heterônimos, como a do Sr. Antonio Tabucchi em “Os três últimos dias de Fernando Pessoa”, apresenta uma escrita adulativa e cansada, já narrada (tanto que chego a saltear palavras, pois já sei a frase, a intenção). Faz brilhantismos com os heterônimos. O narrador conta ao heterônimo o que só este poderia dizer e conflitar.  Poder-se-ia considerar que o autor italiano frente ao moribundo poeta português quer assumir seu posto de criador e comandar a vida dos heterônimos. Uma pura enrascada, Sr. Tabucchi.

A heteronímia é uma linguagem esquizo, não paisagem de rostos que deambulam. Se escrevo “Bernando Soares” estou a evocar uma poética que deflagra uma linguagem de vigor cansado, percorremos um caminho ao precipício, mas no final não temos onde pular, cansaço de dar linguagem ao mundo. O sujeito não escolhe, não tem como destinar-se, apenas permanece na superfície prolífica do gerir sua própria não ação, uma Sherazade que não está amedrontada pela morte, mas por alguma razão tem que contar ao mundo sua linguagem, pois seus atos ainda não nasceram. Talvez, “Soares”, tente construir um ato grávido de se auto degradar pelo pensamento, anular a voz, a máquina de dar nomes, na tentativa de congelar um ato no que ainda resta da carne que gesticula uma saída. Espantalho de sombras que falam aos pássaros.

Agrada-me a escrita do Sr. Saramago, em “O ano e a morte de Ricardo Reis”, pois não está preso à biografia de Reis, nem quer nos defender uma posição biográfica, mas antes, fratura o rosto do médico pessoano pelo ritmo da linguagem, disritmia de rostos, fábrica de gestos não narrados, mas experimentados pelo ruído de um ser que está sem sombra, descarnado de algo que lhe diga um caminho, talvez os deuses lhe façam companhia, mas antes a insegurança, a deriva, lhe inapropria a narrar-se como pertencente a uma pátria, a um gene, a um nome. Seu único dizer está na maneira em que é narrado pelo ritmo, que lhe distribuem ações, caminhos, lembranças. É o ritmo da voz do narrador que lhe assegura um encontro com o mundo. A gagueira do narrador lhe dá tempo e espaço de confundir-se à voz dos personagens que estão instalados no mundo, como o gerente do hotel. O Sr. Saramago soube escutar, sendo músico e maestro da palavra. Compôs o som do personagem Ricardo Reis.

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Esse escrito, parte das “Críticas”, de Alfredo Rodrigues dos Anjos, confere um estudo sobre a heteronímia pessoana, a qual biografo meu avô a partir de interferências em sua biografia, utilizando o jogo da estrutura dos heterônimos, automaticamente o nomeando ficção de Fernando Pessoa, menos como maneira de lhe facultar brilhos e espaço e mais como artifício narrativo, além de especular na ficção as analogias entre os dois portugueses, tais como: a semelhança física e de gestos, a presença do anônimo (camuflagem biográfica) e a contemporaneidade que conserva uma hipótese de possível encontro em Lisboa entre ambos, sem que percebessem seus espelhos trespassando-se ao longo ou dentro do Tejo. Alfredo Rodrigues dos Anjos é o único caso de um heterônimo da errância,  um auto-aborto poético que não recebe os ensinamentos e a identidade de seu criador, pois é um expatriado do ventre. Um míssil do exílio que prematuramente expulsa-se sem poesia e sem qualquer obra artística na bagagem. Na sua jornada errante encalha numa extensa praia do sul do Brasil.



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