16/08/2011

Paris Hotel - um fabulário de páginas amarrotadas

                                                                                
                                                                      "Num dia excessivamente nítido"

                                                                                       Alberto Caeiro


Em Rio Grande, costumava ver meu avô Alfredo Rodrigues dos Santos em sua cadeira de balanço na sala, ele percorria seus olhos portugueses pelo cheiro do Tejo que restava em suas roupas. A cadeira de balanço ventava a embarcação que traz o sono do meio-dia. Ele dizia algo antes de dormir, uma ironia, que só pela entonação fazia rir, tenho a impressão de nunca ter escutado palavra alguma, apenas um som sábio que saía dos lábios comprimidos. Depois que ele morreu, revirei "Os Lusíadas" que há no alto de sua prateleira, procurei um verso que coubesse naqueles lábios, não encontrei, acho que meu avô foi camoniano apenas durante o oceano, quando deixou Portugal, depois havia de ser Pessoano, vagar por hotéis, cambiando endereços para concluir que, em Rio Grande é possível avistar Portugal, mas o contrário não o é quando se deixa um lugar para trás. Depois dessa grande braçada, por que não dizer "maçada", meu avô nunca mais viajou um metro de mapa. 

Da última vez em que estive em Rio Grande, demorei-me na estante dos livros, só o cansaço do corpo em pé é que denunciou que eu procura algo sem saber que o fazia, olhava as lombadas, mas todas estavam embaralhadas, indistintas dentro dos meus olhos, apenas um livro me chamou a atenção, desconfio que tenha sido pelos detalhes dourados. Era um Alberto Caeiro que estava ao lado de Camões, lembro que os separei, como se abrisse um par de cortinas, para ver se havia um grão de tempo entre eles, talvez um oceano, talvez o Tejo, talvez um recibo de compra de uma livraria lisboeta. 


Como se o livro estivesse oco, meus dedos entraram entre duas páginas  e escorregaram para dentro, restou a minha mão esticar as costelas de papel e encontrar o que acima deixo registrado a vós. "Um verso e meio" indicado à lápis, um selo Francês no topo da página e à direita uma espécie de diário que demorei uma tarde inteira para decifrar cada palavra, apertadas que estavam,  como os lábios de meu avô quando dormia. Estava escrito, segundo o que os meus olhos podem ver. 

"Alfredo R. sou eu desde a hora que acordei hoje.

Manhã volto ao Paris, não sei bem a razão dessa volta. 
O almoço me levou ao Caeiro, fui ao quarto de sempre
e me demorei deitado na cama a olhar o tecto
e a repetir esse "verso e meio" de Caeiro, repeti
como um louco, a começar às 16h da tarde, a
portaria  veio ter comigo explicações, disse que era ator
e ensaiava meu momento, como um ator me portei
ante a porta do quarto observado pelo porteiro.

Paris Hotel"

No dia seguinte fui ao Paris Hotel, que tem seus fundos para o Porto Velho em Rio Grande. Possivelmente é um dos hotéis mais antigos do Brasil. Passei a tarde sentado no pátio do hotel, repeti o "verso e meio" indicado à lápis umas tantas vezes, que quando não pude mais, passei a fazer uma outra linha à lápis em cima da linha que já existia.













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