21/04/2011

A rede está vazia


I

Dizem que as palavras tem no meio delas uma passagem, um buraco, uma pista de pouso, um fundo falso, sótão, goteira... Essa coisa envolta da vida, que nos distanciam da vida... Me deixa atento para o louco que olha para a vida, que olha para a avenida e diz “isso é a vida”. Diz isso com o punho ao alto, com sangue no olho. Quando vi isso, o entorno não era nada. Era aquilo ali, puta que pariu. Era bater os braços no ar, como foices acertando as folhas que nunca saíram da pele daqueles seios que apertaram seus gozos. E se eu citasse agora, numa folha fora desse computador as cenas que lembro e que reconheço aqui na pele? As pessoas, os lugares... Aquelas que vêm primeiro. Sim, são aquelas e aquelas outras. 

II
“E viver aqui esse momento”.

III

Isso que temos no ar, isso que tenho no meio desses negros cabelos é o que um dia deixei ali, perdido, e volto a olhar um ponto diferente do negror, enquanto o riso envergonhado desata dos cantos da boca. Tem um vento dos cabelos que não volto a ver, está no mundo, está no lugar certo, naquele arrepio que as árvores fazem quando alguém redemoinha os olhos para o mato, solta a lágrima voadora nas garras da coruja. Que árvore cabe na tua janela? Que vento você chama para dentro das cortinas, para dentro da saia, do casaco da noite?

IV

O que minha mão toca de leve é vontade de tomar a tua carne, desenraizar a roupa, derrubar na rede teu inteiro.

V
Estás lendo?

VI

O resto é palavra que a pele não solta, faz voar o corpo.

VII
A rede está vazia.

Nenhum comentário: