12/04/2011

Bagagem de luz

Para a C. do anoitecer


“Havia demasiada luz apenas para os meus olhos.”
Eliziar Fernandes


Em Rio Grande, no verão de1999, meu avô Alfredo Rodrigues dos Santos, apresentou-me o livro “Das crisálidas para a luz” (1) de Eliziar Fernandes que foi seu sócio na firma Fernandes & Santos por 42 anos. Eliziar mantinha um laboratório nos fundos da empresa. A empresa fechou em 1977 e os donos aposentaram-se. Meu avô faleceu. Nunca conheci o Eliziar... Talvez o tenha visto em Rio Grande, mas isso ainda não sei afirmar. Antes preciso comentar brevemente o conteúdo do livro que o meu avô guardava numa mala dentro do seu quarto. Lembro-me que ele fez questão de não abrir a mala na minha frente.
Eliziar colecionava máquinas fotográficas e experimentava possibilidades de cores em suas fotografias, mas no seu método de experimentação constava o cultivo de lagartas. Ele via na fotografia as etapas de nascimento de uma borboleta. Tinha preferência pela fase Pré-Crisálida, que segundo ele, o segredo estava na umidade, desse modo ele dispunha as lagartas debaixo de troncos velhos e árvores ocas guarnecidas em estufa. Observava o surgimento de novas cores a cada fase. Enaltecia a invisibilidade da lagarta , que eram “semelhantes a torrões”. Dizia que a “fotografia era o início do invisível”. Da fase Crisálida revelava o poder de circulação do sangue que ocorre dentro do casulo, que é o preparo para o voo inicial da borboleta, que faz o casulo parecer um caldeirão, como o inchaço de uma lente, como a implosão de uma imagem.   Seus últimos estudos estavam centrados nas asas das borboletas. Há pouco registro desse momento da pesquisa. Eliziar Fernandes comenta seu desejo de “fazer lentes para máquinas fotográficas a partir das asas das borboletas”. Seu plano consistia em trazer para as lentes as diversidades de cores das borboletas. O Jornal “Agora” de Rio Grande, em sua página dominical, em outubro de 1981, publica uma nota sobre o cientista: “Eliziar Fernandes anda preocupando a família com suas incursões noturnas pela cidade, atrás de um tipo de borboleta fosforescente que segundo ele, aparece na Praça Tamandaré todas as noites.” No final do verão de 1999, vi um senhor muito velho perdido entre as taquareiras da Praça Tamandaré, o sol tinha acabado de ofuscar-se no horizonte. Havia uma luz que vinha de suas mãos que se misturava com um bater-se de asas, pensei que fosse um pássaro e uma lanterna, de repente, tudo parou, a captura estava feita. Ele leva a captura em direção a uma mala que está no chão, quando abre esta, estoura na praça uma luz, um clarão, um flash, uma cegueira. Tudo ficou colorido por segundos, apenas vi várias borboletas luminosas batendo suas cores dentro da mala. Ele colocou mais uma cor e a fechou. Meus olhos estouraram dentro da noite. Quando as cores pararam de bater dentro de mim, não havia mais ninguém nas taquareiras, apenas um fio de luz ia adiante, fora da praça, acredito que era um vão da mala que escoava luz, talvez sua mala fosse uma espécie de máquina fotográfica, talvez eu tenha sido fotografado dentro de uma praça, dentro de Rio Grande. Percorri os interiores da praça, mas assim como a fotografia não se repete, tive a impressão de que nunca mais voltaria a ver aquele acontecimento. Nunca havia visto Eliziar Fernandes,  portanto não sabia se era ele. Corri para a minha vó, perguntei pelo avô. “Está no quarto”. Avancei porta adentro para contar o ocorrido da praça. Abri e novamente a mesma luz esvaziou o escuro do quarto. Mas dessa vez era menos intensa, era apenas uma borboleta que batia luzes em cima da cama. Aproximei-me. Meu avô estava dormindo. A borboleta luminosa pousava no seu olho esquerdo e ao seu lado havia uma mala exatamente igual a da praça. Assustado, deixei o quarto, mas antes de fechar a porta vi  um filete de luz saindo da mala.
(1)  Editora da Furg, Rio Grande, 1981.


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