19/02/2011

Um filme que vi ontem

 “Estar perto não é físico”

Um filme que atravessou a ponte quando partir era tomar o tarro de luz. Abriu um pequeno retrato que o travesseiro nunca dorme. Um retrato sonâmbulo que não lembra mais qual nome está investido dentro da roupa. Veio para dormir o meu sono, desabrigou meus lençóis barbados de noite. Sim, para aqueles que viveram suas noites, aqui um filme para plantar música numa praça parca que vegeta solidão por dias e dias sem que a noite se afaste porque de repente quero a noite, sim, e ela sempre está lá, quieta no seu jeito de praça que senta pessoas. Sabe aquela ponte que passamos e alguém está pulando de uma pedra naquele rio, sabe? Aquele alguém que está lá no seu pulo, num pulo que não termina, pois passamos e nosso olho está nas margens. Esse filme tem esse alguém, sua loucura num pequeno retrato que o tempo não escovou, no máximo deixou o retrato para aquele outro alguém que encontramos numa rua deserta e que nos olha com palavras que mais tarde serão esquecidas quando o porre do silêncio deita sobre o corpo.
O filme “Os famosos e os duendes da morte” – direção de Esmir Filho -  me levou ao vinho que desobriga a garganta de ser rio. Essa vontade da garganta querer ser rio me cansa, o filme cansa desse cansaço e apenas salta no rio sem necessitar do grito, porém grita uma coisa dos pequenos. E quem morreu nessa vida sem atravessar uma ponte? Uma ponte feita com as cordas do violão de Bob Dylan. Não tenho Bob Dylan nas mãos no momento, tento algo próximo, Crosby, Stills, Nasch & Young, o disco Deja Vu. O filme tem esse desacerto. O Bob Dylan não é a trilha no momento mais denso do filme. O susto de um sonho que sai do quarto e apaga a luz da cidade, até que os rostos acendam suas músicas. Exatamente essa música empresta as cordas do outro. Sim, Bob Dylan é um menino perdido em Estrela, Lajeado, Arroio do meio e outros meios de pontes que virão, sim, eu o vi, naquela ponte que horas e horas nos afastamos dos pássaros, pois sabe-se que no interior dos pampas os pássaros saltam das pontes, enquanto nós escrevemos palavras suicidas, dessas que a madeira guarda como uma pele, sim, sou essa pele ainda, essa coisa viva que pode saltar uma ponte para o banho do dia.   Há coisas como ver o show de Bob Dylan no pampa de qualquer cidade desse pampa redondo que só é redondo porque tenho um olho que arredonda tudo e termino o dia quando durmo com uma lanterna na mão, dessas que alumiamos nosso pedaço de chão à noite e escrevemos no teto o tamanho de nossas crianças. Lembro que em São Francisco de Asssis, na rua Travessa Garibaldi 277, de dentro do dentro do meu quarto eu olhava o teto e seus traços, o forro e seus desenhos, eram os traçados dos olhos do teto, hoje sei que o teto tinha olhos, pois cresceu um forro de cabelos na minha cabeça e as coisas ficaram pequenas quando deviam ter ficado grandes como eram na infância, mas cresci um dedo da mão a mais que os outros e não caibo no buraco do chão sem deixar o violão de esmola para quem fica. Sim, a cabeça também serve para escutar sons que a noite guarda entre as árvores quando os frutos deixam de cair e não fazem mais os ruídos das quedas que encontro quando apanhava do chão aquele fruto caído na mão e cheirava minha mão apodrecida e abria minhas veias a soco no vento para derrubar os bichos que entram suas palavras nas minhas palavras, e quando digo essa coisa de palavras para o bicho mais próximo ele me chama de louco como louco é o cantor que saí de dentro do rádio que meu avô escuta num quarto em São Francisco de Assis e diz suas coisas de avô e o que ele diria se eu pulasse aquela ponte em que muitos entram e saem de São Francisco de Assis? Calçaria ele o cavalo nas noites de solidão para me vigiar nas águas debaixo daquela ponte? Diria ele suas “pragas desgraçadas” para o bocal da lâmpada da noite? Um dia ele não disse e tudo se apagou e eu não pensei em dormir no rio, nem atravessar a ponte para ver como as águas passam debaixo da gente.
Saí da cidade por entre as luzes. O chão era uma enorme ponte.

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