22/03/2012

Meu último poema triste

   

à minha mãe


                           1


foi quando a deixaram na rua , 

as horas não permitem retorno ,

nem dos passos que acompanham 

os ponteiros



esqueceram - na no sonho ,

acordar é lembrar que há alguém

a ser acordado ,

mas ela não passou a noite

aqui , 

em nenhum outro lugar seu pensamento

foi dormir para dentro




ninguém a viu dormir ,

os lençois não esperam o peso que não enverga mais a cama


 
quando fechei a porta ,

ela não derrubou o muro que deixei ,

pois não está mais entre nós a chave ,

o sossego da sombra é saber

que ninguém dormirá sobre sua aba



ela foi-se ,

as mãos que ficam desprendem a dor nos lençois , 

a mesa deixa lugar de ausências

na volta dos talheres à desconversa das gavetas




Só há extremos para ela diluir - se ,

meu sono passou a rodar na cama ,

perco o caminho da volta , 

minha cabeça acorda num outro quarto



                            2



ela volta ,

o beijo materno é o pensamento

dos poros ,

nada mais edifica que a esperança de manter a porta fechada , 

dia a dia

na urgência de sabê - la perto ,

atrás da porta todos os passos são seus




foi - se a roupa que me continuou a pele ,

não volto mais ao ventre ,

o domicílio materno veste a gravata que dilui - se eternamente no peito ,

o abrigo sossega suas asas ,

a cama dorme para sempre desarrumada ,

os botões erram os casacos do frio ,

as veias inoculam a febre por teimosia ,

não há mais pressa em temperar o calor da carne ,

o filho se foi para onde a rua dorme .