“Sei que Lucienne Samôr existe”.
O autor
Perlo Monteiro[1] me enviou essa semana um cartão-postal. Nunca vi um cartão-postal ocupar tantas palavras em pouco espaço, sendo que parte desse espaço está borrado por traços que apagam algumas palavras, como se a escrita não tivesse sido pensada, mas sim fuçada entre arames farpados. A fotografia do cartão-postal mostra uma Praça de Conselheiro Lafaiete (MG), onde uma mulher se esquiva de uma fotógrafa. Na foto a mulher sobressai seu olhar entre as muralhas de seu capote que guarda no bolso lateral uma flor. Perlo Monteiro não fez referências à foto, mas as semelhanças me levam aos gestos de Lucienne Samôr[2]. E não intuo isso pela foto que tenho desta, pois no cartão-postal apenas uma fatia do rosto surge. As semelhanças estão no modo que ela se encaixa no espaço. Tanto no cartão-postal como na foto[3] que tenho de Samôr, ambas as imagens estão como se estivessem na beirada do olho. Esquivas se pronunciam como um anúncio. Anunciam a ausência do espaço. As duas imagens preenchem o instante da ausência.
No escrito do cartão-postal, Perlo Monteiro, faz referência ao filme Amor à flor da pele de Wong Kar-Wai. A primeira frase de Perlo parece querer nublar o rosto esquivo. “A ausência veste a roupa de dormir”. Sim, a música do filme é isso. E comenta, entre letras espichadas de uma aparente pressa, que conheceu a atriz Maggie Cheung, do filme Amor à flor da pele, em Conselheiro Lafaiate, quando esta visitava o interior mineiro. Num inglês rabiscado avistou a atriz quando Lucienne Samôr ofertou no horizonte uma flor, como uma flecha, que acabara de colher do bolso de seu capote. A ponta da flor mirava o oriente. Maggie Cheung aproximou-se com uma câmera, isto fez Samôr guardar a flor no bolso do capote. Perlo Monteiro fotografou as duas para, segundo ele, perder a foto enquanto as primeiras palavras entre os três foram caminhando o chão e abrindo a porta da casa de Lucienne para as duas dividirem a rede, que quando balança se esfrega na mesa e na máquina de escrever.
A atriz chinesa lembra que assistiu as filmagens de Felizes juntos de Wong Kar-Wai, em Buenos Aires, e que visitou o Brasil com o diretor. Este revelou querer filmar uma película no interior de Minas Gerais. Cheung comentou que a história de uma escritora como Lucienne Samôr, que carrega na pele apenas um livro, sua delicada solidão, seu incêndio, sua aura, seu olhar e essa cidade mineira, daria o filme que Wong Kar-Wai procura. Perlo termina o cartão-postal com as seguintes palavras que circundam apertadamente as beiradas do papel: “Gabriel, a Maggie ainda está aqui, se demora a escutar a tradução que tento para o inglês do O olho insano. A Lucienne te escreverá em breve”.
A atriz chinesa lembra que assistiu as filmagens de Felizes juntos de Wong Kar-Wai, em Buenos Aires, e que visitou o Brasil com o diretor. Este revelou querer filmar uma película no interior de Minas Gerais. Cheung comentou que a história de uma escritora como Lucienne Samôr, que carrega na pele apenas um livro, sua delicada solidão, seu incêndio, sua aura, seu olhar e essa cidade mineira, daria o filme que Wong Kar-Wai procura. Perlo termina o cartão-postal com as seguintes palavras que circundam apertadamente as beiradas do papel: “Gabriel, a Maggie ainda está aqui, se demora a escutar a tradução que tento para o inglês do O olho insano. A Lucienne te escreverá em breve”.
[1] Pseudônimo do escritor mineiro que ainda não me revelou seu verdadeiro nome. Faço referência a ele e a Samôr no texto Os Olhos queimam Lucienne Samôr.
[2] Escritora. Tem apenas um livro publicado, O olho insano (1975).
[3] Essa foto recebi de Perlo Monteiro, outros detalhes no texto Os Olhos queimam Lucienne Samôr.
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