29/08/2010

Orides Fontela - abril em agosto.

Há algum tempo “a teia” da poeta Orides Fontela, natural de São João da Boa Vista (SP), havia-me riscado suas patas à moda das aranhas das casas velhas, como dizia a Tia Gorda, que “as aranhas filavam a pele das visitas à noite”. Algumas moradas têm dessas, como a que estive em São Gabriel (RS), neste domingo, para visitar o Amilcar, escritor da cidade, que mora há alguns anos em Paris. “O Amilcar Bettega Barbosa fica na casa em que nasceu quando vem, volto a ser o que as paredes velhas me dizem. Aqui pode chegar, também virá uma moça de Porto Alegre, está escrevendo uma dissertação sobre Os lados do círculo”, assim ele respondeu a minha brusquidão de ventar pros muros de São Gabriel. Chegando lá, ele está me esperando sentado nas gramas, em frente de sua casa, junto da estudante da UFRGS. Não me encaminhou portão adentro, mas fez menção para que eu o acompanhasse até a última casa da rua. Soou as palmas. Veio uma senhora arrastando uma cadeira para fazer companhia a outra cadeira que se refrescava no pátio. Achei que você vinha de manhã – ela disse. Olhei pro Amilcar, ele já ia adiante, sem círculos. Eu estava sentado frente a frente a uma pessoa desconhecida para mim. Isso autorizava seu olhar a se demorar nos meus contornos. A senhora é parente do Amilcar? – arrisquei. De certo modo sim, ele começou a escrever comigo, aqui mesmo – abreviou ela. De repente, disse que conversaríamos sobre a Orides Fontela, pois pensou muito nela hoje. Eu nem havia terminado de dizer que lera coisas dispersas da Orides... Aquela senhora tal uma árvore que suspende toda a cidade começou a recitar de memória vários poemas da poeta paulista, até parar e dizer que ambas haviam trocado correspondência. Bem, acabei não conversando com o Amilcar, neste domingo. Por fim, entregou-me esse poema da Orides. Disse que era para eu o ler toda vez que chegasse a uma cidade nova.


Viajar
mas não
para

viajar
mas sem
onde

sem rota sem ciclo sem círculo
sem finalidade possível.

Viajar
e nem sequer sonhar-se
esta viagem.

Fomos aos fundos da casa, defronte de um salso-chorão. No chão havia muitas velas. Ela disse para eu fazer um pedido...
Dobrei o poema e entreguei para ela uma foto que eu acabara de revelar, do interior do Ceará, que uma amiga me enviou. “Ambas são do 21 de abril...” – ela espremeu dos lábios. Como? – perguntei. Ela silenciou... já era hora dela preparar o sono... Saí sem ter certeza da precisão da frase... Escrever sobre essa visita, talvez, me ajude para quando aumentar a dúvida e a memória. Talvez eu tenha escutado o “ambas” ou o “21” ou o “abril”. Ou era o que eu queria escutar, afinal, ambas são do 21 de abril.

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