14/09/2009

Os nomes

Eles começaram, logo pela manhã. Acordei com a sensação de que eles haviam escondido algum objeto importante da casa. A primeira ação foi abrir portas e janelas de modo que isso representasse uma inibição para qualquer ataque que eles pudessem tentar às escondidas. Eu estava visível para além das paredes. Gritos e outros barulhos teriam onde esvaziar. A segunda ação foi comparar a quantia de objetos da casa e os objetos que enumerei numa lista como sendo os que compõem a casa, ou seja, eu tinha os objetos e a contagem deles. Logo percebi que os objetos da lista e os objetos da casa não resultavam no mesmo número. A surpresa foi descobrir que não faltavam objetos na casa! A atitude deles tinha sido mais ousada. Na lista dos objetos tinha novos nomes listados. Eram nomes que não correspondiam a objetos que eu conhecesse, mas antes a nomes abstratos. A imprecisão filosófica do fato se dispôs pelo meu corpo, de modo que este foi pesando até chegar ao chão. Encostei-me na parede e permaneci ali a tentar logicizar a lista. Ausentava e presentificava os objetos e os nomes abstratos.
Adormeceu e a noite elaborou-se na casa.
Ele começou, logo pela manhã, a correr pelos espaços vazios da casa. Corria com os olhos fixos para encontrar os objetos. Não encontrou nenhum. Deixamos apenas a lista. Ele a apanhou do chão. Correu os olhos em cada item da lista. Como retiramos os nomes que correspondiam aos objetos de sua casa, apenas restaram os nomes que havíamos acrescentado à lista. Esses nomes pareciam emplastar em seus olhos. Ele havia aproximado do rosto a lista ao limite do embaçamento das palavras. Tentou recombinar os nomes. Assim ficou o dia inteiro. Nada no corpo respondia. Adormeceu e a noite mastigou a casa.
Eles começaram, logo pela manhã, a retirar a lista de suas mãos com o cuidado de não rasgá-la. Logo depois, o carregaram para fora da casa, o deixando no pátio. Fecharam todas as portas e janelas e ficaram dentro da casa. Numa das janelas deixaram apenas o vidro fechado, neste colocaram a lista, de modo que esta fosse vista do lado de fora. E ali permaneceram, de um jeito que também ficassem visíveis. Ele acordou aturdido com o sol levando o sereno debaixo do seu corpo. Correu até a porta e tentou abri-la. Percorreu as entradas possíveis da casa e parou vidrado. Ele olhava para eles na janela. Finalmente poderia ter alguma resposta. Não imaginava que eles fossem aparecer. Aproximou-se da janela. Percebeu que a lista estava na janela sem nenhum nome escrito. Os objetos da casa foram retirados e os nomes correspondentes desapareceram da lista. Agora, ele era retirado da casa e a lista aparecia em branco como se fosse uma enorme parede branca implacável. Os nomes que não remetiam a nenhum dos objetos da casa nauseavam seu reflexo no vidro da janela. Agora ele sabia que esses nomes eram referentes a ele. Tentou reler mentalmente cada nome aproximando-os de si de forma a conseguir alguma revelação. Olhava aquele branco do papel contrastando com o anoitecer de dentro da casa. E adormeceu.
Ele começou, logo pela manhã, a procurar com os olhos a lista na janela. Não viu nada. Fechou os olhos como quem procura algo por dentro. Disse que ficaria assim, o resto do dia, contemplando a única coisa que tinha conseguido guardar. Adormeceu por fora, enquanto por dentro examinava a enorme parede branca que se alastrava na memória.

Nenhum comentário: